Camila Cunha de Paula

com Duo para dois perdidos

Camila_CunhaUM ARTISTA INDO ALÉM DE SUA DEFICIÊNCIA

O trabalho denominado “Duo para dois perdidos” apresentado na Bienal Sesc de Dança de Campinas em 2015 me deixou com algumas questões, dentre estas, qual seria a provocação desejada com o trabalho? Se o intuito está na inclusão, acredito que o trabalho deve ser repensado. Tratar de deficiência é algo que requer uma reflexão crítica muito aprofundada devido a fragilidade em que ela se encontra ainda hoje no meio social.

Se em um senso comum é um tema singular, nos palcos e propostas cênicas é duplicada sua sensibilidade. Assim, se faz necessário um estudo e um posicionamento que não a marginalize mais. O que se espera é um trabalho que atue direcionado as possibilidades de um deficiente e não que ressalte suas incapacidades.

Hoje há uma luta significativa pela transformação do modo de ver o deficiente, de não o ter como um coitado e sim como uma pessoa capaz. A arte por sua vez é um espaço que pode contribuir para construção desse novo olhar. É possível por ela se compor de inúmeras possibilidades, por ter o poder de inovação, provocação e crítica. Estamos em tempos de reflexão, estudos e experimentações de movimentos, corpos, expressões, cenas e cenários para criarmos novos diálogos. No entanto, neste trabalho não percebi um pensamento elaborado neste sentido, não ouve uma desconstrução do código de incapacidade.

Não acredito que a deficiência deve ser escondida ou negada. Porém, é necessário dar atenção ao humano, no caso ao bailarino e artista que existe acima de sua deficiência e valorizar suas capacidades, ou seja, experimentar expressões que o potencializem e criar diálogos que o integre como tal.

Movimentações codificadas onde há um objetivo final para a linha do movimento, como por exemplo, um simples estender de braços, estando este estabelecido na coreografia pode ser elemento descriminante, um fator agravante para expor a incapacidade de um bailarino que não pode realizar o movimento desta forma. Nos tempos atuais, na dança contemporânea o estudo dos movimentos de alguém que possui uma forma própria de se mover pode ser um bom estímulo para a investigação e composição de novas expressões.

A obra apresentou momentos mágicos e imagens muito interessantes junto a diálogos entre os interpretes. Porém a intenção não foi bem apresentada, me deixando desconfortável diante a dependência exposta pela distinção entre os movimentos dos artistas. Um deles responde eficientemente a qualquer provocação, e o outro se apresentou submisso a este primeiro. Tratar de diferenças é um tema interessante, porém trabalhar com temas marginalizados pela sociedade necessita estar muito bem justificado e esta informação não transitou de forma que chegasse a compreensão do expectador da Bienal, ou ao menos a mim.


Camila Cunha de Paula é bacharel e licenciada em Dança pela UFV, dedica-se a pesquisa, ensino, interpretação e criação em dança. Trabalhou dança com deficientes, dança contemporânea, danças brasileiras, cultura e performance.