com Trilogia Antropofágica Ato 2: Resistir
A orquestra da resistência subversiva
O segundo ato da trilogia inicia-se com os artistas posicionados em distantes pontos do palco. Estão incomunicáveis e isolados, em suspensão sobre um amontoado de madeiras desleixadamente dispostas. A cena parece um campo minado, um palco de batalha onde o menor passo pode custar caro. Os atores encaram a plateia, como em busca de algo. Estariam mesmo?
Aos poucos eles começam a se mover. Lenta e cuidadosamente, como o piso que os sustenta exige, eles buscam uns aos outros. São passos infantis, curtos, mas resistentes. Estão em busca do outro, de alguma força diferente naquele desolado ambiente de destruição. Quando os artistas finalmente se reúnem, o confronto tem seu início.
A madeira que lhes serve como suporte começa, tal qual os integrantes do espetáculo, a ser subvertida em um instrumento percussivo que funciona como alavanca de transformação. Os personagens, crianças mudas e inseguras, iniciam um processo agressivo, quase que literalmente antropofágico entre si, utilizando os corpos uns dos outros como suporte para encenar um ritual.
O forte som da batida dos artistas com a madeira (e do próprio pau consigo mesmo) acentua-se à medida em que eles se deslocam por todo o palco, em uma canção selvagem, uma batida de gritos e ranger. Os corpos misturam-se, se apropriam de si mesmos, se devoram em um só, e logo as roupas tornam-se um incômodo, naquela furiosa tentativa de devorar o outro.
Os corpos caem e se chocam contra as irregulares toras que se erguem do chão, fazendo sangue e suor derramarem, num espetáculo viril, onde a música, o homem e o animal tornam-se tudo e nada. A intensidade da percussão da madeira e dos gritos acentua-se cada vez mais, até que as luzes se apagam. Encerra-se a resistência antropofágica e, quando a luz retorna, tudo o que resta é uma plateia que já não sabe até onde vai a sua vontade de pular e gritar sobre aquele chão acidentado de madeiras farpadas.
Paulo Victor Dhom é um soteropolitano que vive por aí. Já fui pesquisador, atendente, triador e auxiliar de escritório. Escritor é a única coisa que sempre fui. Comunista, me debato com o cotidiano dia sim, dia sim.
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