Dominique Pomente

com Trilogia Antropofágica Ato 1 e 2

Sobre
TRILOGIA ANTROPOFÁGICA
Perro Rabioso
Autor                                                                                          Qualquer Um
Ato I
PRESENÇA
Energia            pura
Alucinada
assim que eu fiquei o tempo todo
Durante quase quatro horas, olhando o outro, o corpo além, imóvel lá no carvão, na entrega de ser comido pelo meu olhar devorador
O som e o movimento: pulsação, tremor esculpem os corpos

Subi várias vezes no palco, tomada a cada vez por uma necessidade urgente: a energia transbordante me ditava o rumo

Como diz Antoine-Eric, presidente do Collectif Zone Libre*: o palco é o único lugar que eu me sinto

livre

Matéria                 Silêncio                 Corpos

Como acolher essa energia potente, transbordante?

Permanecer

Enquanto transbordam minha boca, minha língua, meu tórax?

Ânsia

Sem falar que rói-me a vontade de cair de boca nesse chão apetitoso, provar um pedação desse carvão…

O eu transformado em churrasco! Isso que é secação…

Canibal

Bom, a formulação talvez não foi clara: permanecer em pé, em silêncio… Isso excluiria todo tipo de mexer-se?

Com o olhar para os outros… O olhar é o primeiro que parte na direção do outro, cruzando ou não com ele

Assim meu desejo cortante, se saciou…

Partiu

À medida que absorvia aquela energia gigantesca, meu eu aquietava

A meditação tomou o lugar

Pois antes, ele resolveu compor: existem sim, estados patológicos onde por um instante a consciência some, mas a pessoa continua fazendo gestos corriqueiros: ela não sabe mais quem ela é, porém consegue segurar uma xícara de café…

So não cedi à tentação

Meter a mão                     Rolar pelo chão

Porém fiquei feliz em saber – me perdoem os diretores – que uma menina nadou mesmo no carvão, e não foi barrada porque «ela fez o que todo mundo tinha vontade de fazer»

Gratidão

Saí de lá limpa, trêmula, oca

Com sentimento forte de gratidão pelo prazer imenso por dentro de um mar de paz

Digeri a mim mesma

Transformação

Consumida

Ato II

O SURGIR

Os primórdios remetem à obra, a ópera: o pulo conjunto na madeira, os gritos lá e cá, acabam parindo o surgir de uma

Orquestra

Estou ouvindo vozes          Matéria                        Vida                        celestiais

O RESISTIR

Corpo a corpo

Corpo-recinto                                                       Corpo-ferida

Mãos na massa

Massas massas Massas massas Massas

Corpo sublime

Corpo-altar      Corpo de graça

Estado de graça

COMER O OUTRO

A nudez ou melhor, o nu aqui não é erótico: no máximo animal onde é esboçado, contemplo mais um nu orgânico: olho exorbitado, pulmões estorrando, mão segurando, sexo batido…

O intercâmbio dos órgãos

cria

O

Comer os corpos

Algo se torna previsível

A nudez jà não ofusca o olhar, porém o nu ofusca o corpo

A digestão aconteceu

Dominique POMENTE

*Collectif Zone Libre: companhia de dança contemporânea em Paris

 

Sobre TRILOGIA ANTROPOFAGICA – Dominique Pomente


Dominique Pomente é professora de Francês e Tradutora. Atuou na troupe de teatro da Aliança Francesa e do Teatro Griô. Escritora do Collectif Zone Libre, companhia de dança contemporânea em Paris. Poesias, slam, novelas e escritos em português e francês, em Paris e Salvador.
jorlandi2016@gmail.com