com Estar / Ser
Ontem estive numa apresentação de dança-performance na UFU e felizmente tenho a oportunidade de comunicar o que penso a respeito, através do PRECISA-SE PÚBLICO. Preocupo-me de chamar de dança porque faz parte do evento SALA ABERTA, compartilhamento de processos do curso de DANÇA da referida instituição. Acrescento o hífen seguido da palavra PERFORMANCE pois os limites da linguagem usada estavam pra mim muito bem dissolvidos entre a temporalidade comum de um espetáculo (início, meio e fim) e o envolvimento do público “espectador emancipado” (Jacques Rancière). Além disso, a participação solicitada pelo artista para que juntos segurássemos o tecido usado convocou um sentido de pertencimento do público no tempo-espaço proposto em “ESTAR/SER”. Muitos aspectos plástico-visuais foram trabalhados nessa apresentação, o que também me permite chamá-la de algo experimental no campo da arte visual, assim como decorrência relacionada à arte da performance.
Sei que gostamos – e o fazemos incondicionalmente, por que não?! – de exprimir comentários e reverberações instantâneas pós-espetáculos, geralmente moldadas por achismos e qualitativimos, porém acredito no tempo da decantação das coisas dentro dos nossos seres e na vivência reflexiva, relacionada a mostras de dança, teatro e música. Poderíamos fazer referência a bolhas de sabão se tivéssemos desfrutado de uma hidromassagem com direito a sais de banho…
Hoje já me lembrei da obra de Bruce Nauman “Walking in an Exaggerated Manner” realizada em 1968 (link: https://www.youtube.com/watch?v=x7DWz_jMtR4&t=499s) e talvez exista algo em comum entre as duas. O caminhar de Nauman acontece exageradamente no SILÊNCIO e devagar. Claudino percorre alguns metros rastejante ou como uma crisálida em potencial. Pode parecer também algum animal do grupo Quilópodes.
O registro que temos no vídeo de 10 minutos em preto e branco e digitalizado (acervo Moma/NY) acontece permeado pela sonoridade do super-8 16mm, assim como ontem os clicks das câmeras fotográficas que registravam (ou tentavam) o acontecimento compunham alguma sonoridade. Happening, dança, performance, mostra, espetáculo… O que importa de fato é o sentido vivido, o que o artista causou… o que experienciamos em conjunto e individualmente.
O espetáculo dividiu-se em dois momentos distintos a meu ver/sentir: PARTE 1 – abstração, potência e mito e PARTE 2 – realidade e confabulação em jogo. Afinal o percurso daquele ser nos leva a tantos questionamentos e que guardamos ansiosos ele desabrochar dali e se mostrar.Se não houvesse esse segundo momento, poderíamos ficar ali eternamente sem saber o que havia ali dentro, o tempo ficaria em suspenso. Nossas ideias nos levariam à loucura…Ele morreu asfixiado? Realmente havia alguém ali ou era um ser manipulado do lado de fora da cena?!
Sobre o tempo de “ESTAR/SER”: logo nos primeiros minutos (quando o artista não aparece por estar envolto pelo tecido não-tecido) um impacto filosófico-visual nos leva a questionar a duração e a potencialidade das coisas…segundos, minutos, horas e a pensar o que é aquilo? Se existe alguém ali então como ele se desloca? Imaginei que estava de costas e em um nível altíssimo de concentração e envolvimento consigo mesmo…Voltou pra dentro da barriga da mãe? Será que usa como referência a iluminação que vem do holofote (como foi orientado pré-espetáculo a não sentar em frente)? Em caso positivo, esse ser busca a luz…? Que luz é essa?
A expansão, o deslocamento temporal e a deformação física das coisas ficaram evidenciados e nos colocaram em imersão na densidade do movimento lento e gradual daquele ser. Incisivamente penetramos junto de Claudino no invólucro branco – somos todos seres em transformação, talvez esta seja a grande lição de nossas vidas, perceber e aceitar a nuance de tanta turbulência humana.
Como a programação do evento não informa a duração dos espetáculos ficamos à mercê de cada segundo, estipulado pelo dançarino. Eu que tenho tendência a querer controlar meus tempos confesso que fiquei um pouco angustiada…poderia levar 5, 10 minutos ou 1 hora. Agradeço por ter aprendido a lidar com essa angústia, ao passo em que minhas ideias fluíam única e exclusivamente por esse tempo deslocado e proposto.
Dentro da solitude, sem esperança de que algo maior aconteceria, aquele ser amebóide poderia rastejar infinitamente pelo chão da sala…e como lidar com isso?!
As cores e a luz de “ESTAR/SER”: a ausência de luz trouxe-nos para um contato profundo com nossas essências. Nem tudo pode ser compreendido às claras.
PARTE 2: quando o artista se mostra, ficamos aliviados em partes, uma vez que acreditávamos na existência daquele ser humano performático. Ao abrir o tecido e colocar nas mãos dos outros, ele se entrega e se mostra. Já não está mais protegido, está entre nós e é um de nós. Um pescador de ilusões. Estica o tecido de modo que todos os presentes na cena participem. Exige então a colaboração do outro, sem o outro não existe. Nesse sentido configuramos em cena uma coletividade existencial.
Transição da parte 1 para a parte 2. Foto: Paula Borela
Parte da performance em que o artista interage com o público através de uma grande malha de fios. Fotos: Paula Borela
Fotos: Paula Borela 5/7/17 20 na sala de encenação do bloco 3M – UFU
Artista plástica, pesquisadora e professora. Minha principal fonte de alimento são os eventos culturais, onde encontro a alegria da vida. Penso nos rumos do mercado da arte em circuitos periféricos.