com Trilogia Antropofágica Ato 1 e 2
Sobre
TRILOGIA ANTROPOFÁGICA
Perro Rabioso
Autor Qualquer Um
Ato I
PRESENÇA
Energia pura
Alucinada
assim que eu fiquei o tempo todo
Durante quase quatro horas, olhando o outro, o corpo além, imóvel lá no carvão, na entrega de ser comido pelo meu olhar devorador
O som e o movimento: pulsação, tremor esculpem os corpos
Subi várias vezes no palco, tomada a cada vez por uma necessidade urgente: a energia transbordante me ditava o rumo
Como diz Antoine-Eric, presidente do Collectif Zone Libre*: o palco é o único lugar que eu me sinto
livre
Matéria Silêncio Corpos
Como acolher essa energia potente, transbordante?
Permanecer
Enquanto transbordam minha boca, minha língua, meu tórax?
Ânsia
Sem falar que rói-me a vontade de cair de boca nesse chão apetitoso, provar um pedação desse carvão…
O eu transformado em churrasco! Isso que é secação…
Canibal
Bom, a formulação talvez não foi clara: permanecer em pé, em silêncio… Isso excluiria todo tipo de mexer-se?
Com o olhar para os outros… O olhar é o primeiro que parte na direção do outro, cruzando ou não com ele
Assim meu desejo cortante, se saciou…
Partiu
À medida que absorvia aquela energia gigantesca, meu eu aquietava
A meditação tomou o lugar
Pois antes, ele resolveu compor: existem sim, estados patológicos onde por um instante a consciência some, mas a pessoa continua fazendo gestos corriqueiros: ela não sabe mais quem ela é, porém consegue segurar uma xícara de café…
So não cedi à tentação
Meter a mão Rolar pelo chão
Porém fiquei feliz em saber – me perdoem os diretores – que uma menina nadou mesmo no carvão, e não foi barrada porque «ela fez o que todo mundo tinha vontade de fazer»
Gratidão
Saí de lá limpa, trêmula, oca
Com sentimento forte de gratidão pelo prazer imenso por dentro de um mar de paz
Digeri a mim mesma
Transformação
Consumida
Ato II
O SURGIR
Os primórdios remetem à obra, a ópera: o pulo conjunto na madeira, os gritos lá e cá, acabam parindo o surgir de uma
Orquestra
Estou ouvindo vozes Matéria Vida celestiais
O RESISTIR
Corpo a corpo
Corpo-recinto Corpo-ferida
Mãos na massa
Massas massas Massas massas Massas
Corpo sublime
Corpo-altar Corpo de graça
Estado de graça
COMER O OUTRO
A nudez ou melhor, o nu aqui não é erótico: no máximo animal onde é esboçado, contemplo mais um nu orgânico: olho exorbitado, pulmões estorrando, mão segurando, sexo batido…
O intercâmbio dos órgãos
cria
O
Comer os corpos
Algo se torna previsível
A nudez jà não ofusca o olhar, porém o nu ofusca o corpo
A digestão aconteceu
Dominique POMENTE
*Collectif Zone Libre: companhia de dança contemporânea em Paris
Sobre TRILOGIA ANTROPOFAGICA – Dominique Pomente
Dominique Pomente é professora de Francês e Tradutora. Atuou na troupe de teatro da Aliança Francesa e do Teatro Griô. Escritora do Collectif Zone Libre, companhia de dança contemporânea em Paris. Poesias, slam, novelas e escritos em português e francês, em Paris e Salvador.
jorlandi2016@gmail.com