com Nós
Saí do Teatro Vila Velha completamente atravessado por “Nós”, do Grupo Galpão, e fiquei buscando alguma palavra que me ajudasse a definir o que tinha acabado de assistir – o que é engraçado, visto que me pareceu que assisti tantas coisas em uma só coisa, se é que vocês me entendem. Uma obra que atua em diversas camadas, com atores visivelmente dispostos a compor e não a sobrepor. A polifonia dos discursos tinha tudo para virar ruído, mas mais parecia uma sinfonia, e é muito interessante como, em certos momentos, a repetição é usada como uma ferramenta que interfere diretamente no ritmo da cena. E tenho quase certeza que o “repetir-se” não está ali como mero capricho estético. Esse é um outro ponto alto deste trabalho: a maneira que ele consegue fazer com que o espectador se deixe levar por pequenos detalhes, criando alguns desvios em nossa percepção, enquanto continua tecendo o fio condutor do que queria dizer. Cabe a nós, o público, costurar essa colcha de retalhos, ou não. É que “Nós” se estabelece de forma coerente para, subitamente, subverter os diversos códigos que estão impregnados na encenação. Ao invés de procurar algum dado que pudesse justificar todas essas quebras – e talvez ele até exista –, me deixei levar pelo sistema de imagens que eles compõem em menos de duas horas. Desde a simplicidade de uma conversa corriqueira sobre algo que foi observado numa estação de metrô à reverberação de uma fotografia que mostra o corpo de uma criança morta em outro lugar do mundo, fui levado para um lugar de afirmação da própria condição gregária do ser humano. Adicione aí o fato de que esse trabalho foi construído de forma coletiva a partir de inquietações dos próprios atores, e você chega naquele ponto onde realidade e ficção se misturam em sua frente e é intrigante perceber como a direção oferece pistas de coisas que talvez tenham acontecido entre eles que, aqui, ganham um contorno extremamente afetivo e poderoso. A arte, muitas vezes, não precisa “fazer sentido” e sim ser sentida. Me encontrei nesse lugar, onde não sabia exatamente o que estava me atravessando, mas onde definitivamente algo se comunicava comigo, em diferentes níveis de sentido e intensidade. E depois desse show de dualidades, incongruências e diferenças que surgem do encontro desses amigos – reunidos a fim de preparar uma sopa –, há também espaço para a celebração, quando somos levados pelos próprios atores para o palco, onde todos dançamos juntos como se, no fim, todas essas questões não precisassem ser levadas tão a sério já que, na vida, tudo tem mais sabor quando se termina em dança.
Thiago Almasy é soteropolitano, artista cênico e cinematográfico. Como ator, é conhecido pela série de webvídeos Frases de Mainha e pelo trabalho que desenvolve junto ao Teatro da Queda.
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