Nathalí Macedo

com Cuspe, Paetê & Lantejoulas

Tentei assistir “Cuspe, Paetê & Lantejoulas”, mas estava lotado. “É sobre erotismo e violência”, me disseram. 

Na segunda tentativa, entrei. Faltava uma hora para o início do espetáculo e o público já se aglomerava na fila. Ao meu lado,mãe e filha adolescente conversavam sobre qualquer coisa numa relação típica entre mãe e filha adolescente. 

Entramos juntas – eu, a mãe e a filha adolescente – e sentamos lado a lado, quase como se nos conhecêssemos.

O ambiente era – talvez propositalmente – constrangedor. Enquanto o público se acomodava, os dançarinos esfregavam-se nos objetos de cena – cadeiras, cabides, paredes, chão – e encaravam a plateia. 

A partir daí, olhos atentos, coração suspenso e reações das mais surpreendentes: 

Não se trata de um espetáculo higienizado, belo e cor de rosa:
Eu estava diante de um espetáculo sobre o excremento. Sobre o que não quer, mas precisa ser visto. Sobre o mal-estar necessário que a arte tem como obrigação nos proporcionar.
 

Nada estava no lugar certo – qualquer ideia de “lugar certo” foi quebrada pelo espetáculo, da estética ao conceito – mas tudo estava lá: a beleza, o incômodo, a angústia, a energia, o amor e o ódio dos quais, disse Brecht, necessita a arte. 

Olhei para minhas pseudoconhecidas, mãe e filha adolescente. Elas assistiam, com um semblante muito menos constrangedor do que eu esperava, aos dançarinos sem roupas e sem pudores. 

Era isso: o tabu havia sido quebrado. Mãe e filha adolescente compreendiam, no silêncio de suas observações – e, diante de tanto conservadorismo, como é difícil! – que sexo não é constrangedor e não é crime: 

Sexo é apenas sexo. “Cuspe, Paetê & Lantejoulas” é muito mais do que isso.


Nathalí Macedo é autora do livro As mulheres que Possuo, feminista, mestranda em cultura pela Universidade Federal da Bahia, atriz e roteirista de teatro, e cantora de blues. Respira arte desde sempre. Escreve pra não surtar.
nathalomacedocs@hotmail.com