Euler Lopes Teles

com Villa

Que caminhos nos leva à Villa?

Deliberar democraticamente é uma escolha justa e simples? Recortar papeizinhos, entregar aos envolvidos e deixar que votem entre opções, repassando toda a responsabilidade para uma inscrição, um nome escrito no quadradinho sem assinatura – nenhum sinal de autoria; é isso o que fazemos diante de qualquer escolha que interesse a um grupo. Votamos o rumo de um país até a escolha de quem deve lavar a louça no fim do dia. Lançamos em uma alternativa as dobras e desdobras do nosso pensamento, uma pedra arrancada do chão do passado e lançado ao futuro incerto, simbolizada muitas vezes num x, face de toda a incógnita.

O x em questão no espetáculo chileno Villa, direção e dramaturgia de Guillermo Calderón, como toda importante decisão, começa de forma simples, três mulheres reunidas numa mesa em frente a um representação em maquete da Villa de Grimaldi, local simbólico durante a ditadura chilena, e que no espetáculo deve ser transformado em um museu contemporâneo ou reconstruído. Ambas as opções comprometidas com a importância da memória e a necessidade de não permitir que o horror volte a acontecer.

Os conflitos que emergem das discussões dessa comissão formada só por mulheres, ao mesmo tempo em que contextualiza historicamente as atrocidades do governo de Pinochet, revive os fantasmas de uma Villa, que deveria ser sempre sinônimo de tranquilidade e paz – esta palavra tão desgastada. A gradação proposta pelo espetáculo leva do riso ao sufocamento. Os depoimentos e o embate entre os pontos de vista de três Alejandras – espelhamentos de cada eu nosso de cada dia – nos faz querer ter uma pausa para ir ao banheiro, não por impaciência, mas, para recuperar o fôlego. O que o espetáculo nos proporciona são verdadeiras tempestades em vários copos d´água prestes a ocasionar um desmoronamento.

Com uma atuação primorosa, direção objetiva e certeira, texto que faz com que você deseje ter uma cópia, Villa é daqueles espetáculos que se fazem necessários para discutir o Brasil. Sim, precisamos abrir os braços para a América Latina e as produções de países como Chile e Argentina, que tem como compromisso não esquecer o horror de governos totalitários, para não vivê-lo literalmente. É necessário lembrar, para que as mulheres não sejam depostas por corruptos, nem sejam violadas por cachorros. É necessário criar simulacros que sejam apenas maquetes, memórias tristes num bom espetáculo de teatro.


Euler Lopes Teles é ator, dramaturgo e diretor teatral do Grupo de Teatro A Tua Lona (SE), além de mestrando em estudos literários onde pesquisa o mal e literatura contemporânea.
eulerlopess@gmail.com