Silvana Di Blásio

com Biomashup

Invasão Alienígena

Todos de camiseta branca, algo como uma cueca também branca, tênis branco e as 2 moças sem soutien. São 6 dançarinos que vão perambulando pela plateia, que está em cadeiras minuciosamente separadas em grupos de 4, 3, 2 e às vezes apenas uma. Vão perambulando entre a gente e testando apoios corporais, fazendo movimentos como se fosse um aquecimento de dança e nada mais. Nada mais mesmo, porque olham para o chão e não interagem conosco. A música é forte, pesada, quase fúnebre. Penso cá comigo, depois dos primeiros 10 longos minutos em que eu sinceramente não via quase nada acontecer: caramba, vim pra ver o ensaio deles… não gosto de espetáculo assim, porque não vejo poesia nisso. Só exibição de técnica e os integrantes do grupo experimentando sensações e emoções herméticas para o público. A plateia fica de voyeur de algo que não é poético.

Aí, eu reparo que o figurino não é tão imaculado quanto eu vi de longe. De perto, percebo que as camisetas tem a aparência de puídas, com pequenos furos e algumas até meio sujas. Os tênis também – em alguns dançarinos eles estão pintados de branco e são gastos. Nisso, começo a ver poesia. Quando o suor dos corpos começa a fazer desenhos nas camisetas fica mais bonito ainda. Isso então me remete mesmo ao ofício do dançarino, talvez uma metáfora de trabalho, repetição, cansaço, exaustão e criação a partir disso. Ok, vamos ver aonde vai dar. Metáforas do artista criando arte me interessam. Sou atriz.

Levei meu filho de 5 anos e levei também amendoim, jujubas e um pirulito. Quando chegou num momento do espetáculo em que os dançarinos finalmente começaram a nos encarar com seriedade e algum ar de desafio, mais da metade do elenco que passou pelo meu filho o encarou e se interessou, talvez, pela reação dele. E ele querendo ir embora. Já tinha perguntado duas vezes “se o espetáculo não iria terminar nunca”. Então ele começou a se cansar, querer falar, sair do lugar, brincar de dar bala pra minha amiga… e eu fazendo psiu! e pedindo pra ele fazer o favor de ficar quietinho. Queria observar melhor o espetáculo e queria que ele “se comportasse”. Bem , isso é sempre um erro…

Os dançarinos já tinham acentuado a cara séria e já faziam caretas quase de maldade. Exibiam seus movimentos sem poesia quase em cima das pessoas. Aí resolvi interagir com meu filho pra ele interagir melhor com o espetáculo. Falei a primeira coisa que me veio à cabeça, imbuída que estava daquelas caras desafiadoras, da música ameaçadora e do fato de uma dançarina ter aberto a garrafinha de água de uma pessoa da plateia e ter derrubado a água no chão, colhendo o espanto acanhado de seu dono: “Filho, você acha que eles são alienígenas?”. Sim, recorri ao repertório de filmes e desenho que ele vê. “Olha pra cara brava deles… a moça abriu a garrafa de água do rapaz e derrubou no chão… tô com medo que ela roube o seu pirulito!” Ele ficou alerta. Agora os dançarinos eram alienígenas, pronto. E fiquei com essa intepretação pra mim, de verdade! Reparem comigo, se não tenho razão: com que então esse grupo de pessoas que olha estranho pra gente, se movimenta no meio da gente, quase atropela a gente, mostra sua quase nudez nada envergonhada pra gente, abre uma garrafa de água e derrama a mais que preciosa água no chão, sem se importar com o valor da água pra este planeta, no primeiro dia da Primavera, com este calor insuportável em Campinas???? Quer ato mais simbólico que esse pra indicar uma invasão alienígena de alienígenas em particular que não tão nem aí pra gente??? E a música corroborando com essa interpretação. E o cara que opera o som, com sua coreografia particular, dando vazão, embasamento e clima pra tudo. Que descaramento!

E não parou por aí. A movimentação dos dançarinos fica mais intensa, eles já correm às vezes, cada vez mais bravos. Vi uns 3 comendo maçãs: a maçã não simboliza o fruto proibido para a humanidade? Pois é!!!! Esses aliens estão passando mensagens diretas, sem meias palavras – O QUE UM DIA FOI PROIBIDO PRA VOCÊS A GENTE SEMPRE FEZ, NADA É PROIBIDO PRA GENTE!!! Que insulto, meu Deus! Que opressão está por vir! Vão nos subjugar, nos exterminar!

Pergunto ao meu filho, vendo que algumas luzes se apagaram, se ele acha que o disco voador vai pousar. Sim, porque agora só falta mesmo o anúncio formal de LEVE-ME AO SEU LIDER!!! Ele olha de lado e me mostra umas luzes meio acesas não muito longe.

Aí, do nada, eles aparecem limpando as mãos com um monte de álcool gel. Que que é?? Não tão querendo se sujar de humanidade quando forem nos exterminar com as próprias mãos? Depois do gel as mãos voltaram cheias de gliter brilhante prata, como luvas do Michael Jackson. Fiquei pensando… o brilho do espetáculo, da arte, das estrelas, da lua… fiquei tentando fazer uma conexão, que não veio. Será que eles vão salvar só as artes? Será que vão levar as artes embora pras estrelas? Meu filho a essa altura já tinha perguntado mais uma vez se isso não iria acabar nunca. De qualquer forma, escondeu o pirulito atrás da minha bolsa.

No final, 5 dos 6 dançarinos rolaram no chão, bateram seus corpos nas pernas da plateia e lá ficaram. Uma dançarina fez um solo com uma dança diferente. E acabou.
Queria declarar o seguinte: podem ir parando por aí com essa tentativa de invasão, porque aqui não tem ninguém cordato não! Reagiremos com crianças, amendoins, jujubas e pirulitos! E tem outra coisa que vocês não sabem: tirei uma das cadeiras do lugar porque eu não iria ficar separada do meu filho SÓ PORQUE VOCÊS QUERIAM ASSIM…


Silvana Di Blásio é socióloga. Mestre em Educação pela Unicamp (Faculdade de Educação – Grupo OLHO). Atriz. Especialista em Arteterapia. Funcionária da Unicamp desde 2006, lotada no CIS Guanabara.