Renata Sanchez

com Multitude

Renata-SanchezNossos corpos em encontros múltiplos

Multitude _ Dezessete de Setembro de 2015. Não podíamos imaginar que com todo aquele frio recheado de chuvas, raios e trovões a Primavera anunciaria sua chegada em plena quinta-feira ensolarada. Amolecidos pelo calor e preenchidos da pesada comida do restaurante universitário da UNICAMP nos reunimos ao meio dia no Marco Zero para, desconfiados mas cheios de expectativas, ver chegar de todos os cantos bailarinos participantes da Bienal SESC de Dança 2015.

Quente.. quente.. quente..

“Será que conseguirei encontrar um pedacinho de sombra para confortavelmente assistir o que esses corpos nos vieram dançar?” “Com ou sem guarda-chuva?” “Na grama ou nas pranchas oferecidas pela produção?” “ops.. mais um bailarino de ténis, calças grossas e blusa de frio acaba de passar. Ele deve estar com calor.. como eu a pessoa ao lado.”

De um segundo a outros nos deparamos com corpos que não paravam mesmo de chegar e ali se colocavam, ao sol a pino, carregando diversidades de tamanhos, formas, texturas, histórias, penteados, cores de pele, nacionalidades(?!). O som, como os corpos ganha o espaço. Antes um marco zero e logo um marco cheio. O que os números preenchem?

Será que a gravidade age de modo diferenciado quando faz tanto calor? Carregar-se, manter-se de pé se revelava difícil. Por que não ceder? Cederam… são humanos! São humanos? Não sorriem.. têm olhos vidrados. Respiram e “plaft”. Cedem. Cedem braços, cabeça, quadril… caem. E levantam-se. Agora o um é o todo. O corpo é coletivo. Enquanto uns caem, outros se levantam. Enquanto aqueles cedem… outros resistem. E finalmente se revelam gente… (como as gentes sentadas à assistir) que cede e resiste. Os olhares se cruzam e permitem pequenas permanências de encontro tencionados. Por calor, pelas diferenças, pela regra coreográfica, pelo afeto, ou o momento único daquele encontro de dois, três ou mais indivíduos-grupo.

As linhas no espaço vão se desenhando no aglomerado de corpos em movimento. Ih… mais um cedeu! Espere. Alguém sabia que este cederia e o segurou. Coisa de gente que está junta. Quando um cede… alguém apoia?! Por que olham sempre para o céu antes de cair? Seria um suspiro? Um espaçamento na coluna? Quem pega, apoia, cuida… o faz com agressividade… doçura… técnica… se tornam um? São todos por todos? A velocidade cresce. Os acasos se estabelecem. O círculo se forma e sem prévio aviso teremos uma nuvem de corpos-insetos ruidosos. Esse furacão, pelo segundo de suspensão, move o vento nos espaços entre-corpos. Nos esquecemos por um segundo do calor. Parece bonito… prazeroso ser parte desse todo. Mas do que abrimos mão para nos integrar? Ferimo-nos?

Nos olham abertos… sedentos, enquanto com nossos olhares dizemos: Estava lindo e delicioso vê-los assim… seguindo o fluxo! Dói? Se dói?!

Veja só o que esse todo amoroso faz um o corpo pequeno e frágil daquela menina. Segura-lhe pela pela… roupa(?) e joga-a aos ares… muitas mão, muitas forças em função de uma solidão. Ferida. Ardida. Rasgada. Humilhada. Nua. Escancarada.

Mas, o corpo resiste. E cai. Sustenta e cede. Aparenta o que queremos ver (resistência) e chora.

No entanto, como é um dia quente, e já estamos todos rasgados, espaçados… o que mais temer? Revelemo-nos. Deixemos transparecer o suor, as formas, as camadas que desfazem… deixemos voar tudo pelos ares do antigo Marco Zero. Aglomerados e unificados por nossas feridas abertas, prontos para mais uma vez ser pisoteados e logo em seguida pisotear. Porque ao fim de tudo somos aquele monte de corpos, jogados uns sobre os outros que se revelam únicos por suas dores na multidão.


Renata Sanchez é atriz, professora e pesquisadora de teatro
Graduada pela Universidade Federal de Uberlândia
Integrante do Grupo Giz de Teatro