Maitê Lacerda

com Onde o horizonte se move


Maite-LacerdaAo chegarmos para assistir a intervenção Onde o Horizonte se Move de Gustavo Ciríaco e grupo aguardamos em frente a tradicional padaria campineira Nico, na espera é possível tomar um café e observar o fluxo circular em torno do Balão do Castelo e mapear brevemente a paisagem. Quando é dada a hora, somos conduzidos até o Centro da praça, um largo balão rodeado de avenidas nos recebe, embora exista um generoso calçadão em torno da torre de observação, há poucos pedestres transitando, em contraponto um caudaloso fluxo de carros circunscrevem órbitas em torno do balão e se esgueiram por suas já determinadas rotas, avenidas que desaguam em diversos pontos de Campinas.

O calor da cidade a esta altura do ano queima, somos recebidos na única sombra gerada pela torre, os performers andam de um lado para o outro do balão, traçando trajetórias, passam a se aproximar de nós, o público, ali nos assemelhando a um bando de turistas – afinal, é raro ver um grupo de pessoas paradas no local, só podia se tratar de uma ação estrangeira. Já a nossa espera os performers dão início a uma série de falas que atuam como guias coreográficos, geradores de imagens. Os textos falados são uma mistura fértil de informações reais e ficcionais que constroem paisagens, imagens e sensações ao longo da peça.

Na cena seguinte, todos nós agora em cima da torre, após a vertigionosa subida nos mais de cem degraus, assistimos a Campinas, somos rodeados pela sua vista em 360 graus. A escada em espiral, além de seu uso primeiro que é o de levar as alturas é usada como concha de emissão, dela escutamos os performers chegando, canções por eles entoadas, mitos e verdades sobre a paisagem, horizonte de possibilidade, recortados pela voz e pelos corpos em ação de dança. Se na altura da praça e dos carros a temperatura é elevada, no topo da torre o vento bate forte, refresca, movimenta e nos faz dançar também. Os cabelos voam de lado pra outro, somos também corpos em movimento que compõe esta dança.

Enquanto brisamos nas belas construções que a paisagem do alto de Campinas pode configurar, somos acometidos pela possibilidade de assistir a dança na cidade, que não nos aprisiona às expectativas de ser arrebatado e conduzido unicamente por uma só frente. A luz do sol transmitida através do uso de grandes espelhos nos convida a olhar para baixo e acompanhar o fluxo da cidade. Na dança que ali se propõe, há uma organização do corpos dos performers junto ao movimento já presente na cidade, por horas atravessam as ruas, se confundem com a paisagem local e de sua organização coreográfica abre-se para nós a possibilidade de vermos o fluxo da cidade como dança. Os carros solam, rodopiam em torno da torre, os passantes tornam-se personagens, ganham papéis, são engrandecidos na sua pequenez cotidiana.

Como público, num dia tão quente às vésperas da Primavera é um deleite passear e assistir a esta dança. É um respiro estar fora da sala de apresentações, nos envolvendo com as temperaturas do espaço. Deste modo não estamos condicionados já de imediato a estarmos sentados e em silêncio, já a vontade o público aponta e comenta um com o outro sobre o que ali acontece, do alto da torre somos cúmplices das ações que acontecem no entorno.

Quem passa de carro, alheio ao nosso segredo ri-se, o que fazem ali pessoas fantasiadas de prédios e das insistentes farmácias que se alocam no Balão do Castelo? Nós do alto, somos privilegiados desta ação, rimos juntos deste horizonte deslocado, móvel, enxergamos dança neste delírio vertiginoso que encontra seu habitat no calor do deserto urbano.


Maitê Lacerda é artista da dança dedicando-se as áreas de coreografia, pesquisa e direção artística. Possui graduação em Dança e cursa mestrado em Artes da Cena na UNICAMP.