Cynthia Domenico

com Onde o horizonte se move


Cynthia-Domenic-2oE depois, ontem, eu aprendi a criar um novo mundo!

Onde o horizonte se move é uma obra de dança do artista Gustavo Ciriaco que acontece em relação a um espaço especifico, isto é, sua narrativa se desenrola a partir da apropriação e resignificação do espaço em que ocupa. Tive a oportunidade de assistir a obra no contexto da Bienal SESC de Dança 2015, que aconteceu em uma torre localizada em uma praça publica. Para escrever esta critica, uso experiencias internas que vivenciei durante minha fruição como ponto de partida.

Eu não cheguei ao local sozinha, mas sim com um grupo de cerca de 25 pessoas que tambem iriam participar da experiencia. Deslocavamos-nos pela praça como um grupo, quando percebi que uma pessoa estranha ao nosso bando cruzava nosso espaço. Essa pessoa me pareceu estranha, não por sua forma de se vestir, mas pela forma como ocupava o espaço. Enquanto nós, espectadores, cruzavamos a praça em uma linha reta e num tempo lento, esta pessoa caminhava ziguezagueando o grupo, no sentido contrario a nossa direção, em uma velocidade mais rápida do que a praticavamos. Voltei meu olhar para a pessoa, quando percebi que ela tambem não estava sozinha. Como ela haviam outros corpos se deslocando em contraponto ao nosso grupo, e estes corpos por sua vez criavam um outro grupo com dinamica propria. Eram, de fato, os artistas em ação. Percebi neste momento o que considero a principal questão nesta obra de Ciriaco: para o publico não está claro quem dança e onde está a dança. Enquanto espectadores, ao longo da obra, buscamos a todo momento encontrar onde está a ação dos artistas que surge, desaparece se confunde com a paisagem circundante. Precisamos ser curiosos, nos mover no espaço, buscar no horizonte as ações dos artistas.  Enquanto publico, passamos de uma fruição passiva, onde ficamos em um ponto estatico, recebendo a informação que vem da obra para para uma fruição ativa, onde nossa atenção é convocada a todo instante para localizar o artista em ação.

E esta questão, de não saber claramente quem dança e onde está a dança, é reforçada ao longo da ação, com a ativação do imaginario individual do publico. Os artistas usam artificios infantis, de imaginar diferentes tempos e espaços, diferentes realizadas possiveis do espaço ocupado. Como numa brincadeira de crianças, o publico é convidado a imaginar dinossauros, lagos, pacus, asteroides e até o fim do mundo. Em um jogo ludico, a percepçao do publico é ativada e reativada tanto internamente, no proprio universo imagetico, bem como no espaço externo, por meio da observação e resignificação do espaço publico. Este universo ludico tambem aparece nos jogos coreograficos protagonizados pelos artistas no espaço urbano: brincam de esconde-esconde, usam mascaras e figurinos satiricos e realizam coreografias que, em sua essencia, parece ao publico uma grande brincadeira. Mas esta brincadeira não é ingenua. Ela nos revela o condicionamento que sofremos enquanto publico e enquanto sujeito urbano. Nos mostra a fragilidade de nossos corpos em um ambiente que não para para existirmos. Revela o ritmo urbano e a coreografia continua dos corpos na cidade, e denuncia o imperceptivel: vivemos em um mundo já coreografado.

No entanto, para além de seu poder de denuncia, Onde o horizonte se move, foi para mim enquanto publico, um convite a criação. No papel de publico, me senti co-criadora da obra, e no meu papel social  percebi que posso, sim, realizar coreografias em contraponto a um ritmo determinado pelo entorno. Assim como os artistas que entrecruzaram nosso deslocamento em grupo pela praça, eu posso criar contrapontos a massa social. Posso resgatar minha liberdade infantil e criar novos mundos e novas realidades.


Cynthia Domenico é artista multimidia. Em 2010 ganhou o Prêmio Mostra de Artistas no Exterior da Fundação Bienal de São Paulo com a performance “Como nascem as estrelas?”. Desde 2007 pesquisa a transmidialidade na dança e cria coreografias por meio de diferentes suportes.