Anderson do Carmo

com Desastro

Foto _ Anderson do CarmoAqui é Major Tom para o Controle de Solo. Meu circuito pifou.

Não posso mais ouvi-los Controle de Solo, por isso escrevo uma carta para talvez jogá­la no espaço como costumavam fazer aqueles que atravessavam mares em lugar de céus. Ou talvez a deixe por aqui mesmo… Talvez a achem e ela vire dado arqueológico. Talvez minha vida já seja fóssil quando a encontrarem. Talvez ela possa ser uma pista de um modo de viver que nesse futuro já não existe mais.

Cheguei ao lugar onde sempre quis estar. Assim suponho. Assim que deixei minha cápsula não havia mais nada que eu pudesse fazer. Aonde vim parar? Sim, sim: o “espaço”. Mas daqui não tem volta, não há como voltar para aí… Mesmo se viessem em resgate. Mesmo se um esquadrão pousasse e abrisse com urgência a porta de sua cápsula e corresse me buscando o mais rápido que a gravidade caduca permitisse. Eu não estaria mais tentando permanecer sentado numa lata para olhar a manchinha azul lá no fundo que é a Terra. Eu nem estaria mais aqui. Já teria perecido no brilho das estrelas.

Brilho que não serve de muita coisa não, além de ser um lugar pra olhar enquanto o Fim – esse com efe maiúsculo – não chega… Aqui não existo como existia aí… Aqui é tão outra história. Aqui só existo meio diluído, só existo no reflexo de regras que nunca vou conhecer totalmente. Luz nenhuma mostraria meu semblante, meu rosto inteiro. Acho que aqui só existem os contornos das coisas. As coisas mesmo, inteiras e em si – como tanto dizia eu antes dessa decolagem – não tem não… Ou tem, mas tá em falta.

O que tem bastante é falta. Falta tempo e falta espaço. Desde que tudo pifou não dá pra saber se passou um dia ou uma semana. O tempo aqui dura, acontece, mas não passa. Aqui é lugar nenhum e qualquer lugar. Poderia ser cenário de um episódio dos Power Rangers! Essa gravidade enlouquecedora daqui ajudaria até a fazer todos os slowmotions narrados pelo Zordon.

Mas não. É um grande desastre. O futuro veio, mas não era aquele que deveria ter vindo. Veio um qualquer… Porque o qualquer não me deixou tão feliz, mas tão feliz a ponto de me fazer esquecer que não vou ter como voltar? Porque não pude me embriagar deste qualquer? Porque, Controle de Solo? Mesmo que não tenha sido o Controle de Solo a achar essa carta: por que o qualquer não serviu? Nunca vou ter essa resposta, né? Será que alguém vai achar essa carta? Será que nesse futuro eu brinquei de ser herói até o Fim com efe maiúsculo chegar?

Agora desapareço e na penumbra da memória continuo a existir.

Campinas, 21 de setembro de 2015 – o sol está entrando em libra.


Anderson do Carmo é artista e pesquisador da dança, bailarino do Grupo Cena 11 Cia. de Dança, mestrado no PPGT­ ‐ UDESC e escreve mensalmente para o Jornal Notícias do Dia de Florianópolis.