Laura Vainer

com Biomashup

Laura-Vainero corpo como buraco da fechadura

Se eu pudesse uma interrogação como os corpos podem janelas:

Onde vocês estão?

Depois da bilhetagem o público cruza um portão de ferro e se depara com um espaço amplo e híbrido. Espécie de galpão avarandado: quando entramos vemos a nossa frente as costas de uma casa longa que tem as janelas cerradas por tijolos acimentados. Nas periferias do espaço, uns  pedaços de estruturas férreas e mato. Se olhamos para a direita, lá no fundo o espaço se abre ainda mais num terreno que é um estacionamento, pr’além dos poucos veículos parados um muro que deixa aparecer vestígios da cidade: cabeças de prédios e de árvores. Toda essa estrutura, responde à alguma distância dos olhos e denuncia o alargado vazio que é a construção.
As cadeiras que elaboram o lugar do público estão organizadas ora sozinhas, ora aos pares ou trincas ao longo de toda a extensão coberta do galpão e há grandes espaçamentos entre elas. Em frente à multidão de cadeiras e espaços vazios um grupo de 7 pessoas vestindo camisetas brancas está organizado de pé em uma pequena roda. Entramos. Sentamos. Esperamos. E é curioso como, ainda que a disposição dos assentos sugira que a dança não virá em um formato para palco italiano, boa parte do público procura as cadeiras “da frente”

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quanto
tempo
dura
um
paradigma?


    Um som de gosto grave espalha os bailarinos afastando-os e redimensionando a roda, movimento que faz com que o theremin e o músico sejam descobertos. O theremin é um instrumento eletrônico de vanguarda criado por Léon Theremin… Mas eu não sabia disso enquanto assistia BIOMASHUP. De onde via a dança o instrumento aparecia como um pedestal com membros metálicos, e é com alguma surpresa que me dou conta de que os sons surgem dos movimentos realizados pelo músico sem que ele encoste no instrumento.
Os bailarinos começam gradativamente a tracejar o espaço por entre os gordos sons metálicos que ressoam. Os movimentos têm força concêntrica – a energia gerada na dança  é toda catalisada no corpo mesmo; o movimento não se extende, não sobra nada. Toda intensidade produzida pelos movimentos alimenta o próprio movimento, retorna a força para o motor que a produz, não explode. É magnetizante.

DOBRAR – DOBRAR – ESTENDER – ARRASTAR – DOBRAR – ESTENDER – ARRASTAR

Na medida em que a dança se desenvolve, a dimensão de espaço e tempo vai tomando uma textura sem contornos, sem borda. Como se estívessemos em um buraco.

Penso no filme HER . . .
Penso nos silêncios da música “A vida é um passo”1. . .
Lembro dos meninos do “Bô”2. . .

Em BIOMASHUP há um cuidado com o vazio que desafia a percepção e permite a construção de uma experiência entre público e bailarinos que é móvel, flutuante. A dança e o ver a dança obedecem às linhas cinéticas geradas no encontro entre o movimento do som, o movimento dos corpos que dançam e o movimento dos corpos que vêem a dança. Não é uma equação simples. Para acontecer o trabalho exige do público dedicação – assim como exige dos bailarinos, que manipulam mais diretamente as forças em jogo na cena.
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A dança se excita e se alarga geograficamente na medida em que se desdobram as ações iniciais

DOBRAR – ELEVAR – ARRASTAR – PULAR – DOBRAR – GIRAR

Os bailarinos se deslocam pelo chão do galpão cortando-o de fora a fora e, enquanto eles voam objetivamente surfando espaços vazios, o músico permanece de pé até o fim no lugar que está desde o princípio
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O trabalho é uma longa viagem e questiona a materialidade do tempo e do corpo
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Melhor: questiona suas funcionalidades
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A dança em BIOMASHUP atravessa o corpo amenizando os seus contornos humanos

(?)

Um mergulho em um túnel do tempo de ordem não cronológica

A pele que dança aparece como um buraco de fechadura: lugar para ver através
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Assim como não podemos encostar nos buracos, os movimentos dos bailarinos aparecem como se fossem criados sem encostar no corpo, mas olhando através dele

558D

BIOMASHUP cria um corpo ao elaborar uma experiência que se constrói não somente pelo que se vê, ou pelo movimento que se executa; interessa o que se re-vela através do corpo: o que ao se mostrar em formas, se subtrai em silêncio e aparece sob uma textura não objetiva mas criadora de percepções e afecções concretas.
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Um convite sofisticado a uma outra possibilidade de ver dança.

1 Faixa nº5 do EP Fregata Magnificiens, do cantor carioca Lício.
2 Trabalho de 2014 da Cia R.E.C (RJ), dirigida por Alice Ripoll.


Laura Vainer é massoterapeuta e estudante de Licenciatura em Dança na UFRJ, onde trabalha como bolsista/monitora no Laboratório de Arte Educação e pesquisa a transa dos processos artísticos com as práticas de ensino-aprendizagem. Atua também como estudante-pesquisadora no Núcleo de Pesquisa, Estudos e Encontros em Dança/UFRJ, com o qual vem construindo uma cartografia afetiva da Zona Portuária do Rio de Janeiro  a partir da investigação de modos possíveis da dança existir com as pessoas e os lugares. Como pesquisa pessoal mantém o blog vasculhandoamor.wordpress.com que se move na elaboração de materiais artísticos a partir da interrogação o que é uma transa?