Viola Luba

com Trilogia Antropofágica Ato 2: Resistir

{palavras-chaves: Autenticidade, coerência, comunicação}

Trilogia Antropofágica, Ato 2: Resistir por Perro Rabioso – URU apresentado dentro da programação do FIAC na Escola de Dança da UFBA, Teatro Experimental, apresenta ao público um cenário promissor: paredes altas e escuras rodeiam tábuas de madeira entrelaçadas que elevam uma espécie de palco abstrato no qual os intérpretes se encontram em pé, tipicamente vestidos de roupa cotidiana, já suados e buscando encontrar-se no olhar sério com o público. Banhada em luz amarelada, esta primeira imagem do espetáculo tem um efeito aconchegante e impressionante ao mesmo tempo. É indicado sentar-se nas beiras da instalação e como espectador experiente em arte contemporânea e fisicamente disposto, arrisca-se aceitar o convite e procurar uma constelação de tábuas que sirva para sentar por 50 minutos. A situação se prorroga entre olhares e acomodação do público e só lentamente instala um silêncio entre os espectadores. Os intérpretes aumentam suas movimentações aos poucos, aparentam testar a firmeza das tábuas, e então iniciam de repente um depois do outro deslocamentos para a esquina do fundo. O primeiro a chegar introduz o ato do pulo que se mantém como ação principal durante o espetáculo todo. Inicialmente os pulos parecem ter um intuito rítmico e só mais tarde aparece uma trilha sonora, acompanhando de longe com sons metálicos que lembram uma espécie de mantra. Como já assistimos em outras artes contemporâneas, a manutenção da mesma ação propõe ao espectador um efeito sinestésico e uma perspectiva ampla dos corpos em movimento: a respiração ofegante acompanha o balançar de cabeça e cabelo, as faces entram gradativamente em expressões de loucura com olhos virados e bocas abertas; usam-se pontos de apoio nos outros e nas tábuas, olhares inquietos para baixo antes de arriscar o próximo passo; peças de roupas mexendo e caindo. Logo transparece insegurança na movimentação dos intérpretes no seu palco abstrato; ocorrem quedas até sangrentas – interrupções repentinas da desejada “energia vibracional não submissa à razão” (da sinopse, p.77 programação fiac 2016) para se recolocar na ação. O grupo se desloca pulando em diagonal para a frente.

Primeiras inquietações da parte da plateia que luta contra a vontade de desistir da obra, entrando em reflexão sobre o que está assistindo, quais os objetivos dos artistas com esta obra, quais temáticas identifica ou o que esperam comunicar. Enquanto isso a peça parece chegar ao seu clímax: primeiro porque ali os corpos estão em 100% de atividade, tomados pelo exercício da exaustão e segundo porque o espectador ainda espera a mudança abrupta dos acontecimentos em cena. E então, de forma agressiva e às vezes bastante dificultada, os intérpretes tiram todo figurino. Realizar que o pulo e o tirar roupa serão as ações em foco, faz com que a sensação profunda de tédio que veio se formando se torne sensação principal. Os atos em pulo vão perdendo de energia e se voltam principalmente para poses pornográficas; os corpos, na tentativa desesperada de manutenção da potência, não causam mais nada. Estão ali, pulando, nus, suados e se ralando uns nos outros fazendo caras e bocas mas não causam nada.
Não me identifico nem identifico seu “caminho(…) para existir contra a hegemonia” muito menos o “desejo de estar com outro” (ambas da sinopse, p.77 programação fiac 2016). Os intérpretes estão muito focados em mostrar sua face em expressão pra plateia, raras vezes se olham, chegam a se atropelar. O senso de grupo se mostra muito frágil, a disposição à exposição é hipócrita: tanto a nudez como resistência contra dogmas religiosos, culturas conservadoras e sexistas entre outros, quanto ações corporais alheias na performance contemporânea, contradizendo a execução de técnicas sem contexto dramatúrgico, já foram vividas, colocadas em arte e discutidas inúmeras vezes há tempos. Não deixam de ser atuais nem de ter imensa importância artística e sócio-política, porém exigem uma autenticidade plena e pesquisa física profunda pois o público já estudou seu olhar e enxerga o abismo entre a elaboração da sinopse e o potencial da obra.
Basta aguardar o fim agora, os corpos pelados que chegaram a poucos centímetros da plateia, alguns com o olhar fixo outros andando olhando cabeça baixa para o piso de tábuas, estão voltando pulando para seu ponto inicial e aí a luz vai apagando.

Nada acontece mas não há tensão no ar, já que assistiram 50 minutos podem esperar os intérpretes enxaguarem o rosto e se depararem com o retorno dos espectadores. A luz reacende, nada dos intérpretes e de repente tem gente no fundo levantando e saindo. Um aplauso fraco, “covardes” murmura uma mulher na primeira fila. Uma falha na comunicação, sinto-me desconsiderada como espectadora, quase desrespeitada. Vejo e escuto falas raivosas, mas não é isso que sinto; de fato ainda me esforço a acompanhar questionamentos manjados do tipo “é arte ou posso jogar fora?”, “a preguiça faz performance” e “bom, talvez seja isso que queriam provocar” mas afinal decido dar importância a minha perspectiva “partindo do pressuposto de que a adequação dos sistemas interpretativos ao seu ambiente é imperativo para sua eficiência(…)” (BRITTO, 1993, p. 10), para responder se “somos capazes de criar relações e não apenas invocar espectadores como forma de alimentarmos a nós mesmos(…)” (de https://precisa-sepublico.com.br/): para criar uma relação precisa criar um elo, aproximar realidades diversas, não atos superficiais nem introspectivos, e para invocar espectadores precisa de espaço, um leque aberto, não exigir da burguesia na plateia defender o intelecto em atos mal identificáveis como arte.
A arte é a priori um meio de expressão, não ou não apenas sua tese. Querer mais do que técnicas em arte não é não querer técnicas, afinal a “técnica s.f. (do gr. Techné, arte, artifício) 1. Conjunto de procedimentos e métodos de uma arte, ofício ou atividade industrial. 2. Pratica, experiência, conhecimento em determinado domínio.” (Minidicionário LAROUSSE) nasce no fazer, se diz de um corpo consciente; e o ato de pular e se desvestir numa constelação de tábuas também necessita passar por um laboratório físico até que domine esta ação, encontre seu sentido e possa discutir sobre seus efeitos.


Viola Luba é natural da Alemanha, formada em em dança pela UFBA. Integra os grupos de pesquisa: Corpo e Ancestralidade; o Núcleo Irepó; e O Jogo da Capoeira: da Roda pra Cena. Atua como dançarina, professora e coreógrafa na Fundação Cultural do Estado da Bahia, no coletivo de dança Breaking, Gang Gangrena, no Centro Cultural do Ensaio entre outros.
violaluisebarner@gmail.com