Rosa Maria de Oliveira Albuquerque

com Tragédia

Esses corpos não nos dizem respeito

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não é possível que estejamos tão pasteurizados pela lady gaga monstra do pop rainha do capitalismo tardio e denso que antes de se produzir produz nossos gostos de modo que achemos que há crítica em lugares completamente apáticos e fetichizados leis rouanets que desviam milhares milhões talvez bilhões não sei de reais onde já se viu ultrapassarmos isso por rei leão miss saigon peça com pipoca efeitos extraordinários o espetáculo em sua pior forma posto diante de nós o espetáculo dos corpos do faustão das coreografias fora dilma dos corpos organizados que não podem tropeçar dos corpos burgueses que querem ser críticos mas querem muito mais do que isso querem se entreter e se sentir críticos que crítica é possível na catarse de um jogo de futebol onde as pessoas gritam urram não pensam apenas amam que critica é possível no show da madonna meticulosamente pensado após tantos e tantos shows e tanto e tanto pop e comerciais rápidos que nos entretêm pois não podemos mais ficar cansados pois não podemos mais ser cansados apenas podemos rir e gostar e achar as coisas belas e não só rir e não só entretenimento não somos alienados nós somos massa artística e crítica que pensa e reflete não vamos no stand-up comedy temos asco ao baixo pensamento que não leu não fez referências não se solidificou mas ficamos extasiados com a virtuose por que a virtuose corpos que se movem lindamente e expressam agonia e nos apresentam a dramaturgia mais pasteurizada possível e até mesmo um tanto machista moralista que tragédia os corpos transarem e se divertirem que perspectiva é essa que nos faz crer que somos inteligentes e críticos e que amamos tanto pois saímos amaciados e críticos mas que critica se faz quando não há possibilidade senão não ser amar que jogo se realiza quando não se há espaço além da disposição de tudo que nos entretêm corpos nus movimentos belos matemática aplicada história basilar uma pitada de drama delacroix não investido porque pena só três minutos de um possível náufrago da medusa não the show must go on a produção de sentido não pode parar o entendimento não pode parar não é possível que eu precise entender tanto do mundo me deem um pouco de dissenso de briga de caos de coisa errada de ideias falhas de ataque ao show bussiness me deem manteigas pedras um pouco de pó álcool cantos vazios corredores luminosos que não apontam para nada não apontem para esses corpos que só querem se mexer belamente e falar que arte boa é arte bela não podemos passamos por isso continuamos passando sempre passaremos talvez não estou num showprecisamos ajustar nossas sensibilidades não é possível continuarmos aqui que falsidade é essa de corpos treinados ajustados comportados padronizados que respeitam e codificam que loucura é essa na contagem sete oito que gestos são possíveis dentro de uma máquina que não nos deixa espaço porque o cansaço não pode ter espaço porque senão investimos nas coisas investir não é mais possível apenas assistir com intervalos comerciais breves e bem feitos nossa avignon não tem ruínas nossa avignon foi sedimentada acinzentada show de pop spice girls backstreet passamos por tanta coisa e voltamos para cá não é possível na verdade é uma questão de ajuste não há olho sem pensamento não há pensamento sem ideia de mundo não há ideia de mundo sem um mundo que vamos constituindo sem coisas que olhamos sem espaços que se abrem mas para que esses espaços se abram aos meus olhos é preciso que espaços se abram para quem promove espaços por isso a crítica meu deus é por isso que precisamos pensar após ver para depois ver de novo e para sempre para ajustar as possibilidades como cabos de antenas ou cordas de violão não para que as coisas se acertem mas para que continuem ou para que deixem de ser desculpa lady gaga não era você o problema talvez seja mas não agora pelo menos há alguma sinceridade nesse exagero todo o problema é o cinismo é o espetáculo é a ideologia por trás dele é o cirque de soleil o fetiche do mercado sim que lindo o teatro jamais veríamos isso mas precisamos mesmo ver isso o que disso é nosso não falar que a tragédia é universal é um equívoco o capitalismo é universal o mercado é universal o mercado precisa estar muito bem entendido afinal de contas saímos pagamos pegamos nossos carros estacionamos tomamos um café um pão de queijo sentamos com binóculos linda classe arrogante e culta que sabe das mazelas do mundo mas tropeça nas suas próprias mazelas isso sim é arte boa arte de verdade meu filho jamais faria minha filha talvez fará depois de dez anos torcendo os ossos numa sala de aula aí sim ela me dará orgulho artista de verdade que se expressa que emociona as pessoas arte é isso emoção expressão e sentimento arte jamais será pensamento porque não devemos pensar em nada que não mude as coisas pra já pra hoje pra agora não devemos acreditar num mundo possível e futuro onde não haja casa ballet instituição agencia a gente prédios urubus fotografias guerra o pão de queijo que estava duro que bosta a chuva as manteigas os artistas a música que toca lá fora um mundo sem nada disso um mundo sem a gente não não podemos imaginar tais coisas só podemos nos emocionar e nos expressar pois somos humanos e fazemos isso desde sempre lembra das cavernas mas lá não tinha ingresso meia entrada entrada inteira pra ver as pinturas agora estrobo os corpos estão suados são muitos jamais produziríamos isso quem teria essa grana e que empresa pagaria por isso não precisamos fingir que somos críticos estamos em são paulo eixo rio a europa tá do lado estados unidos tá em cima todo mundo vem pólo cultural estudamos fora e voltamos lotados de referências mas não sabemos o que fazer com elas não fazemos nada ficamos quietos e continuamos pois nos gostamos demais para falar qualquer coisa e gostamos demais de tudo para falar qualquer coisa apenas gostamos nos expressamos sentimos e comemos pão de queijo e vamos para casa e dormimos felizes mas não consigo me reviro fico mal pensando que aqueles corpos não nos dizem respeito e no café de novo o pão de queijo tiro a remela e continuo enquanto de repente uma linha se traça e é obvio porque não pensei nisso antes nossos corpos não nos dizem mais respeito.