Apresentação

Precisa-se público é uma ação artística na qual os espectadores performam, dando concretude às suas reflexões e afetos no contato com esse outro que se apresenta sob a forma de trabalho artístico. Aqui, público não é apenas uma parte integrante do circuito que envolve o trabalho de arte, mas público é, literalmente, agente colaborador que produz a obra. Precisa-se Público lança este convite ao público e ao mesmo tempo devolve uma pergunta para os próprios artistas, curadores e instituição: Somos capazes de criar relações e não apenas invocar espectadores como forma de alimentarmos apenas a nós mesmos?

Nossa proposição busca instaurar um lugar de potência para a reflexão crítica dos espectadores, remexendo a hierarquia frequentemente definida pelo discurso especializado: quem fala, quem pode falar, quem é autorizado a escrever com e sobre trabalhos artísticos. A crítica que nos interessa nesse projeto não é a profissional, nem necessariamente a especializada, mas a que parte do espectador instigado a articular em palavras, sons ou imagens um posicionamento diante, com e a partir de um trabalho de arte.

Interessa-nos pensar como propor uma relação mais horizontal entre aquele que olha e aquele que é olhado. Ao ser o público de uma ação artística, acreditamos que não é mais possível posicionar-se fora dela, nem realizar análises ditas neutras. Acreditamos que um trabalho de arte não é aquele que resolve problemas, mas aquele que cria novas questões. Como então criamos um lugar duplo de aprofundamento ou criação de novas interrogações? Como ação artística e público podem juntos propor novos modos de habitar uma questão, de ocupar um problema.

Ao receber mais de 100 críticas após a instalação do projeto na Bienal Sesc de Dança, em setembro de 2015, muitas questões nos tomaram. Nem todas as críticas recebidas são adquiridas e nossas escolhas aproximam-se da curadoria, dando visibilidade a um determinado recorte que, no entanto, está aberto ao posicionamento crítico do leitor desta publicação. Nossas escolhas não intentaram portanto, legitimar pontos de vistas ou opiniões acerca de uma ação artística. Elegemos visões diferentes diante de uma mesma obra, visões desenvolvidas em discursos elaborados ou em relatos singelos, desde que, de alguma forma, apontassem para uma tomada de posição, alinhavando um pensamento coerente. As nossas escolhas deram-se também em um âmbito tanto micro quanto macroscópico, isto é, as críticas selecionadas podem ser acessadas separadamente, mas o conjunto, organização e articulação proposta entre todas elas, sugere um diálogo que vai para além de cada crítica isolada.

O projeto dá ainda seus primeiros passos e, a cada versão, vai se construindo, descobrindo seus limites e suas possibilidades. E então surgem novas perguntas: Basta dar voz, publicando o que recebemos? Como as críticas reverberam nos artistas? Como o público toma para si essa responsabilidade? Não seria importante uma interlocução posterior com os participantes para contextualizar suas contribuições e dar continuidade ao diálogo iniciado? Precisa-se Público teria outro alcance caso se instituísse como uma ação em médio e longo prazo?

Imersas nessa experiência ainda recente, apostamos na potência da reverberação dessas dúvidas, rascunhando uma (auto) crítica. Sem nenhuma pretensão de equipararmos nossa proposição ao exercício profissional da crítica, desejamos explorar o delicado campo entre artista e público sem incorrer na falsa democratização do acesso ou na indução de uma maneira de perceber a arte. Acreditando em outros modos de conversa entre artista, obra e público, queremos ouvir as vozes e as infinitas construções de sentido que ecoam nos corredores dos espaços culturais, nos foyers dos teatros ou diante das páginas dessa publicação.

Seguimos.

Cláudia Müller e Clarissa Sacchelli